oyasumi punpun, bojack horseman e obras sobre ciclo de abuso
TW: suicidio, depressão, overdose, violência doméstica, abuso de substâncias, morte
essa semana eu terminei meu primeiro mangá, o temido Oyasumi Punpun. digo temido pois todos os comentários sobre a obra relatam ser muito pesada, triste demais, apenas para quem tem “cabeça boa”. todo mundo que disse isso está certo.
após terminar os 13 volumes e chorar como uma criança, precisei traçar um paralelo com a minha animação favorita que também trata de ciclos de abuso e traz a máxima “hurt people hurt people: Bojack Horseman.
Spoilers a partir daqui.
Primeiro de tudo, vamos esclarecer que não vou tratar do arco do Pegasus por que é insuportável, nem mesmo as nuances de Seiki e Shimizu conseguem fazê-lo interessante. Se até Inio Asano, escritor do mangá concorda comigo, não há nada que eu possa fazer. Good vibrations pra quem é de Good Vibrations, mas eu não sou.
Começando pelo óbvio, a depressão e inabilidade de se sentir vivo e merecedor de amor dos dois personagens principais. De um lado, uma criança presenciando diariamente a violência doméstica cometida por seu pai contra sua mãe, duas figuras que deveriam lhe demonstrar amor e segurança mas que se tornam figuras tão difíceis de entender que talvez sentimento nenhum exista ali. De outro, um ex-astro da TV viciado em substancias, usando-as para fugir de seus próprios demônios que, surprise surprise, têm como raiz o abuso vivido entre seus pais.
Punpun começa com seu pai sendo preso por agredir sua mãe de forma tão violenta que ela fica internada num hospital e Yuuchi, tio de Punpun, irmão de sua mãe e um adulto deprimido e cético precisa assumir o papel de responsável legal.
Bojack conviveu anos com seu pai, Butterscotch, um homem adultero incapaz de conceber a complexidade de sentimentos que Beatrice, mãe de Bojack, que viu a propria mãe sendo lobotomizada poderia ter.
É perceptível o quanto a serie e o mangá tentam humanizar essas mães tão falhas e que reconhecem suas limitações mas sem apagar o trauma que causaram em seus filhos. No episódio “Free Churro”, Bojack fala sobre como os três membros de sua família não conseguiram se ajudar, mas existia o senso de estarem se afogando juntos.
Já no terceiro volume do mangá, em um flashback da Mamãe Punpun, após um episódio de agressão do marido Punyama, ela sai com Punpun com destino ao mar, com o plano de matar os dois afogados e só é impedida pelo motorista de taxi, que percebe sua intenção.
Tanto Punpun quanto Bojack percebem os esforços de suas mães, que são alcoólatras e muito longe do ideal mas nenhum deles consegue perdoar ou sequer amá-las. Como leitora e espectadora, também não consigo.
Para além da família falha, as personagens femininas das obras também cumprem um papel de salvação, culpa, responsabilidade e tragédia anunciada. Falando sobre Tanako Aiko e Sarah Lynn, ambas com grandes sonhos e de famílias desestruturadas e disfuncionais. Punpun criança promete fugir com Aiko, seu grande amor, para Kagoshima e a culpa por não conseguir honrar uma promessa de criança o consome de tal forma que se torna obcecado com encontrá-la novamente.
Sarah Lynn, a filha de Bojack na sitcom que levou os dois ao estrelato, enxerga nele uma figura paterna que simplesmente não está lá. Mas como ela saberia disso? Sua mãe a vende para satisfazer seus proprios sonhos, seu padrasto tem uma postura inapropriada, para dizer o mínimo, seu único referencial de família é Horsin Around.
Ambas as personagens não tem a mínima chance desde o início. A mãe de Aiko uma fanática religiosa vítima de uma seita, paralizada da cintura para baixo, dependente emocional e financeiramente da filha. Sarah Lynn, o típico esteriótipo de estrela de Hollywoo(d) dos anos 2000, sexualizada e usuária de todas as drogas possíveis.
Coincidentemente, o fim das duas é marcado com o reencontro com o personagem principal. Aiko estava trabalhando, terminando de tirar sua carteira de motorista quando reencontra Punpun, que supostamente lhe ofereceria um respiro de sua vida mas que a arrasta junto para o fundo do poço com sua depressão. Punpun não é mais o passarinho, que acredita em vida na estrela Punpunya, mas um jovem adulto sem perspectiva que, até aquele ponto na história, havia prometido a si mesmo que se suicidaria caso não encontrasse Aiko novamente.
Após um excesso de legitima defesa contra a mãe de Aiko, os dois fogem para Kagoshima apenas para descobrirem que nada os espera lá. A sanidade dos dois vai decaindo rapidamente até que após prometerem ver a Via Láctea juntos novamente, Aiko se suicida.
Sarah Lynn também fugiu com Bojack, após ele descobrir que não foi indicado ao Oscar que supostamente preencheria seu vazio. Sarah estava limpa e sóbria até que Bojack chega com a proposta irrecusável: beber e usar drogas relembrando os velhos tempos de Horsin Around. De novo, estamos falando da sua unica figura paterna a encorajando a voltar a sua ideia de si. Como recusar?
Após dois meses “fazendo as pazes” e revisitando o passado de Bojack, Sarah Lynn morre de overdose de “Bojack”, sua marca de heroína.
Já Nanjou, outra amiga/interesse romantico de Punpun, para mim, se relaciona com Princess Carolyn e Diane ao mesmo tempo. A obstinação em seu trabalho e o senso de salvadora e responsável por Punpun e Bojack faz com que as três personagens, por mais que queiram, por mais que saibam que tem suas proprias vidas, sonhos e deveres, retornem à essas personalidades tóxicas e prejudiciais a si mesmas.
Exemplos disso é o quase fim de Bojack e de Punpun. Bojack, após um ano sóbrio e limpo tem uma recaída e liga para Diane, informando que “vai nadar” e quase morre, dando vida ao belíssimo episodio The View from Halfway Down, que merece um texto próprio.
Após o suicidio de Aiko, Punpun volta para Tokyo, para a velha fábrica onde ele, Aiko, Shimizu e Seki quase morreram pela explosão e, se suicida. Agonizando e quase morto, Nanjou o acha e o resgata, não de uma forma deus ex machina, mas de certa forma de um jeito trágico. Como Punpun sobreviveria com a culpa de ter levado seu único amor à sua morte?
O fim das duas obras é agridoce, com ambos os personagens principais sobrevivendo mas, mais do que isso, lidando com as consequências de seus atos. Existe nos subreddits de Bojack e Punpun o debate que o final perfeito seria a morte do cavalo de Horsin Around e de Onodera Punpun, mas eu discordo. Não porque a vida é um final feliz, mas é um final realista. Sometimes life’s a bitch and you keep living, como diria Diane.
Bojack acaba com Diane reconhecendo que não há mais espaço para ele em sua vida e com Bojack preso, finalmente tendo a “accountability “ (por falta de palavra melhor em português) que tanto aguardou.
Punpun acaba com ele escrevendo uma carta para a falecida Aiko, descrevendo como está sua vida com Nanjou e a filha dela com o ex marido. Dá pra ver o arrependimento dos dois, mas também da pra ver a esperança de que as coisas tem potencial de ser melhor.
Recomendo a todos, mas com muita cautela. Bojack ainda é engraçado e tem o elemento /critica social foda/. Punpun é só devastador.
Por ultimo, o Mimura é o Mr. Peanutbutter. Não preciso elaborar.